ESSE EU TINHA EM VINIL: Unforgettable Fire (U2, 1984)

ANTERIORES:
+ Spleen and Ideal (Dead Can Dance, 1985)
+ LC (Durutti Column, 1981)

Você me condenaria se dissesse que “troquei” o ‘Mistrial’ de Lou Reed por esse álbum do U2 há vinte e poucos anos atrás?

Não foi exatamente uma troca.

Um amigo possuía o ‘Unforgettable Fire’ e eu era interessado no disco. Ele disse que trocaria pelo Mistrial, que estava sendo vendido na, já citada em textos anteriores, Muzak. Aceitei o negócio. Comprei o Lou Reed para efetuar a troca. Nem cheguei a escutar o álbum do ex-Velvet Underground, poderia, de repente, sentir uma ponta de arrependimento e desistir de fazer a troca.

Até aí tudo bem, recordo claramente disso tudo.

A parte que a minha memória falha é o motivo de a troca vir a acontecer justamente em um “território hostil”. Por motivos que me escapam à memória…lembrei! Enquanto escrevia consegui lembrar! Acreditem!

Na verdade, a troca foi feita na casa desse amigo (nosso guitarrista), que era onde costumeiramente ensaiávamos todas as tardes de sábado (isso quando nosso baterista não trocava o ensaio pelo vôlei). Saindo de lá, passamos na casa de um outro amigo, que era nas redondezas. E foi justamente lá que sofri o que alguns chamariam de bullying hoje em dia.

Na escala de valores estabelecida por esse outro amigo, um disco de Lou Reed tinha mais valor que um disco do U2, e por isso eu havia sido enganado. Era um trouxa em trocar um Lou Reed por um U2. Entre sorrisos de gozação e palavras de desapontamento, o disco foi para a vitrola para provar o tamanho da minha “burrice” em fazer uma troca tão idiota.

Na maior parte do tempo me mantive calado diante das gozações desse amigo, que contava ainda com a ajuda de seu irmão. Por dentro, dois pensamentos: 1º como pode ele avaliar a troca considerando sua “escala” de valores, ou seja, a sua “escala de valores” é que decide o que vale mais? 2º se nos sentimos “marginalizados” por ouvir este tipo de música, por tentarmos nadar contra a corrente, por que então criar discriminações entre nós mesmos por causa de uma simples troca?

A partir daquele dia algumas coisas ficaram clara para mim. Esse “amigo gozador”, que muitos (talvez até eu) tinham como uma pessoa sensata, quase um guru musical, se achava o dono da verdade.

Sempre desconfiei de pessoas que se acham donas da verdade.

Voltando ao U2, gostava e gosto do ‘Unforgettable Fire’ porque marca claramente uma ruptura com o U2 de ‘War’ e discos anteriores. Não que não goste da fase mais garagem da banda, pelo contrário. Mas ‘Unforgettable Fire’ mostra(va) canções com estruturas diferentes das que estava acostumado e novas direções musicais para a banda, um passo em direção ao U2 messiânico, é verdade, mas um disco denso, menos garageiro, e com linhas de baixo profundas que me inspiravam.

De todas as canções do álbum, uma das que mais gostava (Pride, In the Name of Love), com os anos, se converteu numa das que menos ouço no álbum, justamente por ter se tornado tão batida. No geral, é um dos álbuns do U2 fase pré-Joshua Tree que me soam menos datados e mais audíveis.

Nunca me arrependi da troca. Nunca desgostei do disco e também nunca ouvi o ‘Mistrial’ até hoje, mas o episódio todo serviu como alerta.

Alerta sobre intolerância, sentimento de importância, gosto e, principalmente, decepção. O que viria a acontecer muitas outras vezes, com pessoas diferentes e situações diferentes. Mas com o tempo você vai aprendendo a se defender e quase se tornar imune. E não é a música que vai te livrar e nem os livros, mas “a vida”.

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Um comentário sobre “ESSE EU TINHA EM VINIL: Unforgettable Fire (U2, 1984)

  1. Perfeito Luciano! A maior escola que temos é a da vida. Infelizmente vivemos numa sociedade que prega desde quando nascemos que temos que lutar pra vencer, e acabamos lutando contra os outros e isso reflete em nós mesmos. A vida não é pra ser uma competição… uma guerra de egos… uma eterna luta! Consequência disso: este mundo doente no qual vivemos.

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